“O Haiti precisa de enfermeiros, médicos e engenheiros, não de armas”

Em entrevista concedida dia 26.01, o dirigente sindical Fignolé Saint-Cyr, secretário-geral da Central Autônoma dos Trabalhadores do Haiti (CATH) – a qual mantém relações com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) – , relata como está a situação na capital do país, Porto Príncipe, após o terremoto de 12 de janeiro, e alerta para o aumento da ocupação do país por militares. “É verdade que o país está vendo uma importante catástrofe, mas existem aqueles que se aproveitam disso para reforçar a ocupação. Por exemplo, os Estados Unidos instalando 20.000 homens armados. O Haiti não precisa de armas, nem de porta-aviões, nem de carros blindados, hoje o Haiti precisa de enfermeiros, médicos, engenheiros, para nos ajudar a enfrentar a situação”, declarou. Leia a íntegra da entrevista abaixo.






Entrevista de Fignolé Saint-Cyr, secretário geral da CATH, Central Autônoma dos Trabalhadores do Haiti, dia 26.1.10

Fignolé – Bom dia à todos, à Rádio Tanbou aos camaradas do LKP, guadalupenhos e guadalupenhas,

Foi muito difícil entrar em contato com você, as coisas estão difíceis, qual é o seu estado, qual é a situação do Haiti hoje? 
A situação é efetivamente muito difícil. O povo haitiano conta com a solidariedade, mas é um povo lutador que procura uma solução.

Eu, como responsável sindical que acompanha a situação, quero alertar a opinião pública internacional, o movimento operário e democrático internacional, sobre o que se passa no Haiti. É verdade que o país está vendo uma importante catástrofe, mas existem aqueles que se aproveitam disso para reforçar a ocupação. Por exemplo, os Estados Unidos instalando 20.000 homens armados.

O Haiti não precisa de armas, nem de porta-aviões, nem de carros blindados, hoje o Haiti precisa de enfermeiros, médicos, engenheiros, para nos ajudar a enfrentar a situação.

2 – Questão da ajuda
A ajuda chega, mas a população não tem acesso, mesmo em Porto Príncipe. Existe um problema de coordenação. É os Estados Unidos quem coordena, quem comanda o aeroporto e o porto. Existe um conflito entre os EUA e a França. Por exemplo, na semana passada se desentenderam os embaixadores da França e dos EUA.

O que nós queremos, como nossos companheiros, é a verdadeira solidariedade. Já sabemos o que estão fazendo nossos companheiros do LKP, da Martinica, da ATPC… Nós contamos com eles e outros para fazer pressão contra a França, especialmente pelo reembolso da dívida imposta ao Haiti pela França, no momento da nossa independência, para a reconstrução do país; ainda mais porque eu ouvi na RFI (Radio França Internacional) que 47% da população francesa concorda que a França ajude o Haiti. Querem passar a imagem de que o Haiti é um país pobre, o Haiti não é pobre, mas foi empobrecido.

3 – Questão da Pilhagem
Existe uma lógica por trás do fato da não-organização da distribuição de ajuda, para incitar a população à pilhagem, para reprimir logo em seguida, como aconteceu em Nova Orleans, após o furacão Katrina em 2006.

Nós acabamos de receber a notícia de que a Comunidade Européia se prepara para enviar 350 policiais para “ajudar na distribuição” de ajuda. Nós chamamos todo o movimento operário e democrático para fazer pressão na comunidade internacional, contra os Estados Unidos, para que ele não se aproveite da catástrofe para acentuar a ocupação do Haiti. Nós reafirmamos que nós não precisamos de marines, nem de policiais. É uma maneira de traumatizar ainda mais o povo. O que nós precisamos são de enfermeiros, médicos, engenheiros.

4 – Solidariedade internacional 
Nós fazemos um chamado ao movimento sindical internacional, ao movimento operário independente (do mesmo modo que os Estados Unidos, França e Canadá estão reunidos no Canadá), para a organização de uma Conferência Internacional num país francófono, no Canadá, em Guadalupe ou na Martinica, para dizer, atenção: o que os países estrangeiros presentes no Haiti tentam nos impor não é o que nós precisamos, é a política dos países ocidentais, dos banqueiros, o que eles estão aplicando. Nós já vimos isso durante os ciclones de 2008: muita ajuda chegou, mas a maior parte da população nem sequer viu a cor. Desta vez, para impedir isso, é preciso juntar o Haiti à comunidade internacional.

5 – A construção do Haiti
A construção do Haiti só pode ser feita com o movimento sindical de classe independente, para que cada um desenvolva seu papel de maneira democrática, e com a junção entre o movimento operário e democrático haitiano e o movimento internacional de classe independente e democrático, certamente com nossos camaradas do LKP, de algumas confederações dos Estados Unidos, do Brasil, da França… O que está na ordem-do-dia não é uma questão de solidariedade humanitária, é a questão da soberania do Haiti, do respeito do direito do povo haitiano, é o combate contra a ocupação do Haiti. Porque hoje nosso país está enfraquecido politicamente, economicamente, e é a ocasião de fazer os EUA e a França pagarem o preço das ocupações e da colonização do nosso país.

6 – Comitê de acompanhamento 
É o combate que nós travamos com organizações haitianas, organizações sindicais, políticas, populares, de mulheres… Combate reforçado pela Comissão Internacional de Inquérito sobre o Haiti, que aconteceu em Porto Príncipe, nos dias 16 a dia 20 de setembro de 2009. Para continuar este combate nós contamos com nossos companheiros, com nossos amigos, nossos camaradas do LKP, da ATPC, do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos.

7 – Situação 
Eu estou na rua, como centenas de milhares de haitianos. Como eles eu perdi tudo, inclusive minha casa. Ninguém sabe ao certo quantos mortos, 300 000? Nos viramos com aquilo que sobrou e contamos com a solidariedade entre nós.

Existem muitas amputações, e uma situação sanitária muito precária.
Repito mais uma vez, nós precisamos de médicos e enfermeiros.



print
Compartilhar: