Senhoriagem, neutralidade da moeda, Autonomia do BC e PEC 65

I – Senhoriagem

A senhoriagem de bancos centrais consiste no ganho obtido por eles ao carregar passivo sem remuneração (meio circulante e recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista), enquanto seus ativos têm remuneração ligada às taxas nominais de juros.

Quanto maior os juros, maior a senhoriagem. E a senhoriagem dos bancos privados é captada pelo diferencial do que se paga aos depositantes e uma taxa de aplicação de mercado benchmark na qual os títulos públicos são um dos principais componentes.

Ao contrário do senso comum, a criação de moeda é majoritariamente endógena, ou seja, definida pelas instituições financeiras em seu processo de concessões de crédito aos correntistas ou mesmo junto ao Tesouro Nacional por meio da compra de títulos públicos no mercado primário.

A receita de senhoriagem vai no mesmo sentido, com os bancos privados obtendo a imensa maioria dos ganhos de senhoriagem. No Reino Unido, por exemplo, cerca de 97% da senhoriagem é captada pelos bancos privados.

Dessa forma, uma eventual política deliberada de uso da senhoriagem como fonte de custeio do Banco Central do Brasil, conforme proposta da PEC 65, pode levar a um incentivo por taxas de juros mais elevadas que contribuiriam para um aumento dos ganhos de senhoriagem e que teria os bancos privados como os maiores favorecidos e em desfavor da economia nacional.

II – “Neutralidade” da Moeda, “Autonomia” de Bancos Centrais e PEC 65

A suposta justificativa para a defesa da tese de “autonomia” de Bancos Centrais advém da tese da neutralidade da moeda, no longo prazo segundo Milton Friedman, e no curto e longo prazo segundo Robert Lucas (em sua tese das Expectativas Racionais).

Essas teses são representadas por uma miríade de economistas identificados com as crenças monetaristas e ortodoxas neoliberais em todo o mundo.

É interessante constatar que uma grande proporção desses economistas neoliberais está majoritariamente concentrada no mercado financeiro e grandes bancos.

Segundo eles, a moeda sendo neutra, bancos centrais nada poderiam fazer para contribuírem com o desenvolvimento dos países e não poderiam afetar, por exemplo, variáveis reais da economia como emprego, crescimento e renda de forma consistente e o melhor que teriam a fazer seria se concentrar no “combate” à inflação por meio da Política de Metas de Inflação e o consequente uso de juros para o dito controle inflacionário e, de preferência, feito por bancos centrais autônomos ou independentes.

No Brasil, essa política vem desde 1996, a cargo do Comitê de Política Monetária (COPOM) tendo como principais parâmetros análises fornecidas por instituições financeiras e “expectativas de mercado”.

Percebe-se o enorme poder dos agentes do mercado financeiro sobre a definição dessa taxa de juros. Inclusive, a diretoria colegiada do Banco Central também é composta por muitos que advieram de grandes bancos ou do mercado financeiro. Dessa forma, esse poder dos bancos e mercado financeiro sobre o Banco Central do Brasil não é recente.

Em 2021, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro a dita autonomia do Banco Central que dotou seus diretores de mandato fixo, dificultando a substituição deles por parte do Presidente da República, o que tende a deixá-los ainda mais propensos a atender aos interesses do mercado financeiro em detrimento de todo o país e do próprio governo.

Além disso, a autonomia do Banco Central trouxe a intercalação do mandato do presidente do Banco Central com o do Presidente da República retardando a nomeação do presidente do Banco Central para o terceiro ano do mandato presidencial.

Tudo isso visa a dessincronização da política fiscal com a monetária e a diminuição do poder do presidente eleito sobre o Banco Central o que, também, acaba sendo uma diminuição da soberania do eleitor e diminuição do poder do voto ao restringir a capacidade de governos eleitos democraticamente de operacionalizarem de forma sinérgica as políticas fiscal e monetária em prol do desenvolvimento econômico.

Nesse sentido, a PEC 65 vai ainda mais longe ao pretender transformar o Banco Central em empresa pública, retirando a estabilidade de seus servidores, inclusive daqueles que fazem fiscalização das instituições financeiras e grandes bancos, e transferindo para o Congresso Nacional a incumbência da tutela e fiscalização do Banco Central o que tenderá a aumentar a ingerência política em cargos do Banco Central.

E não pode ser desprezada a hipótese de que virando empresa pública, mais a frente, queiram até mesmo privatizar o Banco Central, tal qual ocorreu com o Banco Central italiano.

Destarte, urge o debate sobre a PEC 65 em função das consequências nefastas que ela poderá trazer ao Brasil caso aprovada pelo Congresso Nacional.

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