Seção Sindical no Ibama recomenda a leitura
*Dá licença, mermão!
Hoje
em dia falar mal do licenciamento ambiental é mais comum que enchente no Rio de
Janeiro. Diz-se que é um entrave ao progresso, um ninho de ambientalistas
radicais, trincheira dos “salvem-as-baleias”, enfim: é o supra-sumo
da burocracia brasileira. Eita cartório difícil esse do IBAMA!
No
entanto, é preciso colocar alguns pingos nos is de “licenciamento”.
Para início de conversa, ao contrário de outros licenciamentos corriqueiros na
nossa vida, o licenciamento ambiental não é um ato cartorial, de simples
conferência de documentação. Na realidade, o licenciamento ambiental foi a
forma encontrada no Brasil para implementar a Avaliação de Impacto Ambiental
(AIA) quando esta se difundiu pelo mundo ao longo da década de 1970.
Hoje,
a Avaliação de Impacto Ambiental é adotada formalmente em mais de uma centena
de países, incluindo todas as economias desenvolvidas e a grande maioria dos
países “em desenvolvimento”. Muito além de uma burocracia, o papel da
AIA é o de garantir a adequada consideração da variável ambiental nas propostas
de desenvolvimento, evitando que decisões sejam tomadas sem o dimensionamento
das suas consequências ambientais. O seu principal instrumento é o Estudo de
Impacto Ambiental (EIA) que, muito mais do que uma exigência do órgão licenciador,
deveria ser um instrumento de auxílio ao planejamento de projetos mais
amigáveis ao meio ambiente, identificando e avaliando os impactos e riscos do
empreendimento e propondo as medidas de gestão ambiental a serem adotadas para
minimizar os prejuízos ambientais.
Acontece
que, infelizmente, essa perspectiva cartorial – do “tirar a licença”
– é a que predomina entre o empresariado nacional e obviamente encontra
bastante eco na cobertura da imprensa sobre o licenciamento ambiental. Os
estudos ambientais muitas vezes são colagens de outros anteriores, realizadas
por uma consultora sem possibilidade alguma de interferência no projeto, a qual
foi escolhida porque ofereceu ao contratante o menor preço…
Voltando
aos pingos no “is”, vamos pensar o que é um licenciamento ambiental
“bom”? Em uma primeira tentativa de aproximação, alguém poderia dizer
que é aquele onde a avaliação dos impactos e riscos ambientais de determinado
empreendimento pôde ser realizada na profundidade adequada, permitindo a proposição
de mecanismos adequados de mitigação, compensação e monitoramento, e utilizando
para isso o menor tempo possível ao menor custo global possível. Colou? Muito
bem, agora, como se operacionaliza isso?
Não
parece muito difícil… E se colocássemos profissionais qualificados, em
quantidade suficiente, para analisar esses estudos? Hummm… E se esses
profissionais, além de bem formados, fossem capacitados para avaliar os
impactos de diferentes empreendimentos? Além disso, e se esse pessoal fosse
adquirindo cada vez mais experiência no licenciamento, ganhando confiança para
propor soluções mais eficientes e eficazes?
Pois
então. Parece simples, não? Mas esqueceram de um detalhe: para isso dar certo,
esse pessoal precisa querer trabalhar com licenciamento! E esse pessoal só vai
querer trabalhar com licenciamento na medida em que esse trabalho for
valorizado de acordo com a importância e responsabilidade nele embutidas!
A
vida como ela é: no concurso de 2002, o primeiro da história do IBAMA, entraram
cerca de 60 analistas de nível superior para trabalhar na Diretoria de
Licenciamento Ambiental, em Brasília. Em sua maioria, profissionais
qualificados, muitos com mestrado ou doutorado, que vieram para a sede do IBAMA
vindos de diversas partes do Brasil. Sabem quantos destes analistas trabalham
hoje na DILIC? Apenas um. Definitivamente, analista experiente no licenciamento
é espécie em extinção.
A
razão da evasão? Óbvia. A clara incompatibilidade entre a responsabilidade
envolvida no processo de licenciamento ambiental e a desvalorização do servidor
público dedicado a essa função. Por desvalorização englobamos uma série de
questões que passam pelas condições adequadas de trabalho (computadores,
capacitação, espaço de trabalho, bancos de dados, suporte jurídico etc.) e chegam,
inexoravelmente, à questão salarial.
O
analista ambiental, não só do IBAMA, mas também do ICMBio e do Ministério do
Meio Ambiente, hoje está submetido a uma proto-carreira na qual o patamar
salarial do nível mais alto disponível (final de carreira) é inferior ao nível
salarial de entrada da carreira de Especialista em Recursos
Hídricos/Geoprocessamento da Agência Nacional de Águas, também vinculada ao MMA
e com atribuições muito similares de regulação, controle, fiscalização e
inspeção. E durma-se com um barulho desses…
Por
conta dessa desvalorização, o trabalho no licenciamento ambiental no IBAMA tem
se tornado um paradeiro temporário para o analista ambiental, mero compasso de
espera enquanto se prepara para uma outra oportunidade que ofereça melhores
condições de trabalho e de salário. Nesse cenário tenebroso, o tempo médio de
permanência do profissional na Diretoria de Licenciamento Ambiental é de apenas
18 meses. Ora bolas! Como desenvolver excelência técnica, aprimorar e
padronizar procedimentos, melhorar termos de referência com uma rotatividade
dessas?
E
é nesse contexto que chega o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com
diversos projetos de infraestrutura pelo Brasil adentro, demandando
licenciamentos em prazos exíguos e jogando faísca nesse barril de pólvora que é
o licenciamento ambiental federal. Não dá para dar certo. Qual a solução?
Fortalecimento e valorização do licenciamento ambiental, para alcançar maior
eficiência e eficácia no processo? Ilusão…
O
que se viu nos últimos anos foi uma sucessão de “Destrava IBAMA”,
“Agiliza IBAMA”, “Desocupa-a-moita IBAMA”: pseudo-pacotes
de medidas com finalidade puramente midiática e de nenhuma repercussão prática
no dia a dia do licenciamento ambiental. Que, por sinal, continua sem implementar
seu sistema informatizado de licenciamento – o SISLIC -, que já foi
“lançado” oficialmente por uns 2 ou 3 presidentes do IBAMA e
permanece empacado, sem uso.
São
sintomas de que a própria política ambiental conduzida pelo governo encara o
licenciamento numa perspectiva cartorial, de “carimbador-maluco”.
Aliás, instituiu-se no IBAMA o rodízio de diretores de Licenciamento: é um a
cada hidrelétrica polêmica. Acabou seu turno, muito obrigado, próximo da fila!
Em
síntese: quer licenciamento ambiental ágil e eficaz? Valorize o analista
ambiental. Dê-lhe um salário compatível com o desafio de uma regulação de
excelência. Forneça capacitação continuada e estimule o aprofundamento dos
estudos em pós-graduação. Disponibilize modernos recursos de sistemas de informação
para otimizar seu trabalho. Mantenha o profissional por um longo tempo na casa
para que seu aprendizado seja incorporado pela instituição. Sem isso, dá
licença, “mermão”!
* Artigo assinado por Cristiano
Vilardo Nunes Guimarães, analista ambiental do Ibama, e publicado no Jornal O Globo em 2010, atualizado em 2012.