PEC 65/23 coloca em risco os servidores do Banco Central

Transformação de uma autarquia em empresa pública é acontecimento sem precedentes no Estado brasileiro

Por: Júlia Teixeira – Procuradora do Banco Central; e Conceição Maria Silva – Procuradora do Banco Central e coordenadora da carreira de Procurador do Banco Central da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe).

04/04/2024

Tramita no Senado a PEC 65/2023, que altera o regime jurídico do Banco Central. A proposta confere ao BC autonomia técnica, operacional, administrativa, financeira e orçamentária, organizando-o sob a forma de empresa pública com poder de polícia. Esse poder de polícia refere-se à capacidade do Estado de editar normas e impor restrições para proteger o interesse público, abrangendo áreas como segurança, saúde, ordem pública, entre outros.

A transformação de uma autarquia especial, responsável por atividades típicas do Estado, em uma empresa pública com regime de monopólio é um acontecimento sem precedentes na organização do Estado brasileiro. Portanto, não existem parâmetros claros para definir como essa mudança ocorrerá, caso a PEC seja aprovada.

O que dispomos são conceitos jurídicos e jurisprudência para tentar projetar o que poderá acontecer no novo modelo do Banco Central como empresa pública. Um primeiro desafio é determinar a finalidade dessa empresa, que pode ser a exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público. No entanto, já se torna difícil encaixar as atividades exercidas pelo BC em uma nessas modalidades, pois as atividades estatais de regulação, supervisão, resolução e poder de polícia não se encaixam no conceito de atividade econômica nem tecnicamente no de serviço público.

Superando essa questão, outras peculiaridades surgem, especialmente no que diz respeito à política salarial para os futuros empregados públicos do BC EP. Inicialmente, não parece viável o pagamento de participação nos lucros e resultados (PLR), uma vez que a atividade do BC EP não tem como objetivo a obtenção de lucro.

O regime de trabalho adotado pelas empresas públicas é o celetista, sem estabilidade para seus empregados. Recentemente, o STF reafirmou essa condição em uma decisão (RE 688267, tema 1.022 da repercussão geral).

Outra questão a ser considerada é se os empregados estarão sujeitos ao teto constitucional de remuneração. Em princípio, empresas públicas não estão sujeitas a esse teto, desde que sejam não dependentes e não exerçam atividade em regime de monopólio. No entanto, o STF já determinou a observância desse teto para empregados públicos em certas circunstâncias, como no caso da ADI 3396.

A ADI 449 também deve ser utilizada como referência para entender o que esperar do BC EP. Nesta decisão, o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 251 da Lei 8.112/1990, o que é relevante para os atuais servidores do Banco Central.

Mesmo que o STF aprove a transformação do Banco Central Autarquia em Empresa Pública, a natureza das atividades executadas pelos seus empregados, que são eminentemente típicas do Estado, sugere que o regime remuneratório aplicado aos demais servidores públicos também será observado pelos empregados do BC EP. Por fim, o cenário político deve ser considerado ao se decidir sobre a observância do teto remuneratório, para evitar a criação de um paradigma a ser seguido por servidores de outros órgãos estatais que não possuem esse privilégio.

Artigo publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pec-65-23-coloca-em-risco-os-servidores-do-banco-central-04042024

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