Isonomia é a chave da questão

Servidores querem que o próximo presidente da República equipare os salários das diversas carreiras da administração pública federal

LÚCIO VAZ

Oservidor federal Mário Ângelo Vitório, 48 anos, funcionário da Gerência da Regional do Ministério do Trabalho e Emprego em Varginha (MG), não sabe em quem vai votar para presidente da República. Na última eleição, votou em Luiz Inácio Lula da Silva, mas agora tem dúvidas se quer a continuidade do governo petista. “A gente votou pensando que ele (Lula) ia fazer uma coisa, mas não fomos contemplados. Estamos decepcionados”, comenta Vitório, que tem 23 anos de carreira e salário de apenas R$ 1,6 mil. Para complementar o vencimento, faz bicos como advogado, elaborando contratos. Só não pode atuar contra a União.

A maior cobrança dos servidores, segundo afirma Vitório, qualquer que seja o presidente eleito, é a isonomia salarial entre as diversas carreiras da administração pública federal: “A principal reivindicação é a isonomia. Hoje, encontramos diferentes níveis de remuneração para cargos com funções similares”. Ele também critica a enorme diferença salarial dentro de um mesmo ministério. “Um servidor de nível superior pode ganhar até 800% mais do que outro. Um auditor fiscal ganha até R$ 20 mil, enquanto um servidor administrativo de nível superior não passa de R$ 2,6 mil.”

Vitório lembra que tinha outra expectativa quando ingressou no serviço público, após aprovação em concurso, em 1986: “A gente esperava progredir mais dentro da carreira”. Sem a projeção esperada, ele prestou um novo concurso e foi aprovado para assumir um cartório. Enquanto não é chamado, segue atuando nas funções de logística, administração, negociações e plantão de informações trabalhistas em Varginha.

Outro ponto questionado por Vitório é o processo de terceirização do serviço público nas últimas décadas. “A política do Estado mínimo adotada pelo governo anterior (Fernando Henrique Cardoso) prosseguiu na atual gestão. A terceirização do serviço público ocasionou inúmeras fraudes em vários programas do governo. O Estado não pode delegar funções estratégicas à iniciativa privada. Perde até o poder de polícia. Mas tenho que reconhecer que, nesse governo, até que foram realizados muitos concursos.”

No caso do Ministério do Trabalho, Vitório reclama que várias atividades teriam sido delegadas a estados e municípios. “Acontecem interferências políticas. Eles têm delegação para fiscalizar, mas não têm poder de fiscalização. Só no programa de seguro desemprego, as fraudes podem chegar a 40%. Em um ano, isso pode chegar a R$ 7,5 bilhões.”

Greve – A decepção dos servidores também se deu em relação ao exercício do direito de greve. Vitório afirma que, até o ano passado,
o governo federal aplicava contra os servidores um decreto que impedia o direito à paralisação: “O Dnit (Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes), o INSS e o Ibama foram penalizados com multas pesadíssimas por causa de greves. As multas eram
aplicadas aos sindicatos”. Neste ano, conta o servidor, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou um mandado de injunção que abriu caminho para o exercício do direito de greve, desde que mantidas as atividades consideradas essenciais.

As novas regras já têm consequência. Os funcionários do Ministério do Trabalho estão em greve há três meses. “Agora, não há mais o desconto por dia não trabalhado. Esse desconto inviabilizava a paralisação. O governo dava com uma mão e tirava com a outra”, lembra o servidor, que está em Brasília para fortalecer o movimento grevista. Ontem pela manhã, ele fazia panfletagem para divulgar a greve na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília. Segundo Vitório, estão sendo mantidos serviços considerados essenciais no ministério, como homologação de rescisões e concessão de carteiras de trabalho, fiscalização e apuração de denúncias de trabalho escravo e infantil.

Aspiracoes sao coletivas – As reivindicações e as análises do servidor Mário Ângelo Vitório são bastante próximas das apresentadas pelo secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Distrito Federal (Sindsep-DF), Oton Pereira. O dirigente afirma que há três pontos básicos: plano de carreira único, database e negociação coletiva. “Queremos uma equiparação de todas as tabelas salariais. Hoje, você tem uma pulverização de planos de carreira, não temos data-base e não temos as negociações coletivas, que nos dão a garantia de execução daquilo que é negociado, sem precisar de lei.” Sobre a data-base, o dirigente comenta: “Não adianta você ter um salário razoável se não há uma previsão de quando isso vai ser atualizado. Você vai ter que fazer um novo movimento para corrigir o salário que o tempo corrói”.

Ele acrescenta que o direito de greve está associado ao acordo coletivo. “Há sempre acordos, mas o governo não os cumpre. Tem previsão na Constituição, mas, na hora de fazer a greve, por falta da possibilidade de ter um acordo coletivo, dificulta tudo. Para virar realidade, tem que ir para o Congresso e virar lei.” Questionado sobre o desempenho dos dois últimos governos, que são representados nesta eleição pelos candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), Pereira deixou clara a sua preferência, apesar das ressalvas: “Lula ficou bem aquém das expectativas, mas é incomparável com o governo tucano, que ignorou os servidores públicos. Os servidores foram responsabilizados por todas as mazelas do Estado. Foi uma gestão horrível para os servidores. No governo Lula, com muita luta, a gente avançou em alguns aspectos, como no incremento salarial para todos os servidores, embora muito diferenciado de um para outro. A maioria está muito defasada ainda, mas houve um avanço indiscutível”. (LV)

Fonte: Correio Braziliense /Publicado em 17/08/2010

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