Gatilhos seguem na PEC Emergencial e governo vê dificuldades em desvincular as receitas de saúde e educação; entenda as consequências
Gatilhos seguem na PEC Emergencial e governo vê dificuldades em desvincular as receitas de saúde e educação; entenda as consequências
Na manhã desta quinta-feira, 26, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da proposta de emenda à Constituição 186/2019 (PEC Emergencial) anunciou recuo na intenção de desvinculação das receitas da saúde e educação. Na próxima terça-feira, 2 de março, data prevista para a votação da PEC, Bittar deverá apresentar novo texto, sem a medida que retiraria a obrigatoriedade de gastos mínimos da União, estados e municípios com essas áreas. Segue no texto, porém, um dos pontos principais da proposta: os gatilhos que apontam para o desmonte dos serviços públicos, com congelamento salarial e proibição de concursos, entre outras medidas.
Os gatilhos
Os gatilhos têm como objetivo permitir que, com muita facilidade, os chefes do Executivo congelem as despesas obrigatórias. Veja abaixo o que é preciso para os gatilhos serem acionados:
União:
– Relação entre despesas primárias obrigatórias e despesas primárias totais acima do limite de 95%: presidente é autorizado a acionar diversos gatilhos de contenção das despesas; pode não fazê-lo, mas, se assim proceder, ficam impedidos de pedir empréstimos para ajustar as contas
– Elevação das despesas correntes acima do limite de 85% das receitas correntes: presidente pode acionar os gatilhos por ato próprio, sendo facultado aos demais Poderes e órgãos autônomos implementá-los em seus respectivos âmbitos, não havendo proibição de empréstimos caso não o faça. Esses atos deverão ser submetidos em regime de urgência ao Poder Legislativo
– Quando for decretado Estado de Calamidade, aprovado pelo Congresso, independentemente de as receitas e despesas estarem ajustadas ou não: mesmos gatilhos podem ser acionados, vigorando por até dois anos
Estados e municípios:
– Elevação das despesas correntes acima do limite de 95% das receitas correntes: prefeitos e governadores são autorizados a acionar diversos gatilhos de contenção das despesas; podem não fazê-lo, mas, se assim procederem, ficam impedidos de pedir empréstimos para ajustar as contas. Ou seja, são praticamente obrigados.
– Elevação das despesas correntes acima do limite de 85% das receitas correntes: prefeitos e governadores podem acionar os gatilhos por ato próprio, não havendo proibições de empréstimos caso não o façam. Esses atos deverão ser submetidos em regime de urgência ao Poder Legislativo
Glossário:
– Despesas correntes: Despesas de custeio de manutenção das atividades dos órgãos da administração pública, como por exemplo: despesas com pessoal, juros da dívida, aquisição de bens de consumo, serviços de terceiros, manutenção de equipamentos, despesas com água, energia, telefone etc. Estão nesta categoria as despesas que não concorrem para ampliação dos serviços prestados pelo órgão, nem para a expansão das suas atividades.
– Receitas correntes: Receitas que apenas aumentam o patrimônio não duradouro do Estado, isto é, que se esgotam dentro do período anual. Compreendem as receitas tributárias, patrimoniais, industriais e outras de natureza semelhante, bem como as provenientes de transferências correntes.
– Despesas primárias obrigatórias: As despesas primárias são aquelas não financeiras, ou seja, que não se referem ao pagamento dos juros da dívida. Elas se dividem em obrigatórias e discricionárias. As despesas primárias obrigatórias são as que o governo não pode deixar de cumprir, como os gastos com pagamento a servidores, folha de pagamento, benefícios da previdência, benefícios assistenciais vinculados ao salário mínimo (abono salarial, seguro desemprego, subsídios). As despesas primárias discricionárias são as que podem ser alteradas sem a necessidade de alterações legais, de acordo com os interesses do governo.
– Despesas primárias totais: Soma das despesas primárias obrigatórias e despesas primárias discricionárias.
A munição
Caso os gatilhos sejam acionados, os efeitos são graves. Os salários dos servidores e servidoras já estão congelados, mas, a isso, somar-se-ia também o congelamento das promoções e progressões. Passam a ser vedadas ou suspensas, com o acionamento dos gatilhos, as seguintes ações:
– concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração;
– criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
– alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
– admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título;
– realização de concurso público;
– criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório;
– criação de despesa obrigatória;
– adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação;
– criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções;
– concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária;
– progressão e de promoção funcional em carreira de agentes públicos, quando o respectivo interstício se encerrar no exercício financeiro.
Objetivos
Como essas condições que disparam os gatilhos são comuns, na prática a PEC pode criar um “congelamento salarial infinito” e, paulatinamente, desmontar toda a estrutura dos serviços públicos. Tudo para liberar recursos para abastecer os credores da dívida pública: embora o pretexto seja o pagamento do auxílio emergencial, ele durará alguns meses, enquanto os prejuízos para a estrutura do Estado a partir dos novos limitantes serão permanentes.
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