Banco Central empresa pública? A discussão na ADI 449-02
Em 1996 o Supremo Tribunal Federal decidiu que os servidores do Banco Central deveriam passar do regime de empregados públicos – CLT, categoria bancária, conforme Lei 4.595/64 – para o Regime Jurídico Único, Lei 8.112/90.
Como essa decisão joga luz sobre o conteúdo da PEC 65/2023 que, se aprovada, transforma o Bacen em empresa púbica e passa seus servidores ao regime de empregados públicos?
A mera troca do nome do instituto que viria a designar a forma de constituição do Banco Central, de autarquia para empresa pública, não altera a sua verdadeira natureza jurídica, de que é um poder estatal descentralizado destinado a prestar serviço público que não pode ser realizado por um ente privado, vale dizer, exerce atividade típica de Estado.
A questão é de essência, não de forma. Um leão não se transforma em um jabuti apenas por darmos àquele o nome deste; ou vice-versa. Não importa a designação que se lhe dê, o Banco Central não exerce atividades equiparadas àquelas exercidas por empresas públicas ou, mesmo, por sociedades de economia mista, justamente porque estas não podem desempenhar atividades típicas de Estado exercidas por aquela autarquia.
Empresas públicas são destinadas à exploração de atividade econômica e a elas são aplicáveis as regras do art. 173, da Constituição Federal. O Banco Central não exerce _“exploração direta de atividade econômica (…) necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”_
Assim, se um ente estatal explorar atividade econômica, aos seus empregados será aplicado o regime celetista, ainda que seja denominado autarquia. O contrário também é verdadeiro: se um ente estatal tiver por função precípua a prestação de serviço público em sentido estrito, aos seus servidores deve ser imposto o regime estatutário, ainda que o ente seja denominado empresa pública.
Essas conclusões são fundamentadas no entendimento do STF, quando, ao julgar a ADIn 449, se manifestou especificamente sobre esse tema, à luz da atual Constituição, conforme acórdão seguinte, cuja leitura é recomendada a todos:
_EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. BANCO CENTRAL DO BRASIL: AUTARQUIA: REGIME JURÍDICO DO SEU PESSOAL. Lei 8.112, de 1990, art. 251: INCONSTITUCIONALIDADE. I. 0 Banco Central do Brasil é uma autarquia de direito público, que exerce serviço público, desempenhando parcela do poder de polícia da União, no setor financeiro. Aplicabilidade, ao seu pessoal, por força do disposto no art. 39 da Constituição, do regime jurídico da Lei 8.112, de 1990. II. As normas da Lei 4.595, de 1964, que dizem respeito ao pessoal do Banco Central do Brasil, foram recebidas, pela CF/88, como normas ordinárias e não como lei complementar. Inteligência do disposto no art. 192, IV, da Constituição. III. – O art. 251 da Lei 8.112, de 1990, [que mantinha os servidores do Bacen como empregados públicos na categoria de bancários, NR] é incompatível com o art. 39 da Constituição Federal, pelo que é inconstitucional. IV. – ADIn julgada procedente.
Entre os votos, cabe destacar os seguintes trechos, que podem esclarecer melhor o que foi dito anteriormente:
MINISTRO CARLOS VELLOSO (Relator):
“importa verificar, no caso, a natureza do ente estatal, vale dizer, do Banco Central do Brasil. Ou, noutras palavras, importa indagar se explora a autarquia (…) atividade econômica.
O Banco Central do Brasil foi criado pela Lei n° 4.595, de 31.12.1964, que dispôs sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, criou o Conselho Monetário Nacional e deu outras providências.
O Banco Central do Brasil é, na verdade, a instituição que exerce a política monetária da União, exercendo serviços públicos próprios desta.
o Banco Central do Brasil é uma autarquia que exerce, substancialmente, atividades públicas, assim prestadora de serviços públicos, pelo que é uma autêntica autarquia de personalidade jurídica de direito público – aos seus servidores aplica-se o regime da Lei 8.112, de 1990, pelo que é inconstitucional o seu art. 251.”
MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA:
“Mesmo que se aguardasse a futura lei regulamentadora do sistema financeiro nacional, conforme ordena o comando do artigo 192, da CF, a situação de seus servidores, pelo menos esse é meu entendimento, não se resolveria, pois a natureza jurídica do Banco Central é a de autarquia que desempenha funções típicas de serviço público.
MINISTRO OCTAVIO GALLOTTI:
“ Sendo uma autarquia (…) está o Banco Central sujeito ao regime estabelecido no art. 39 da Constituição, *e, não explorando atividade econômica e sim exercendo atividade fiscalizadora do Estado, não se enquadra na exceção estabelecida pelo § 1° do art. 173 da Constituição.”
MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA:“As autarquias são, sem dúvida alguma, as entidades da administração indireta mais próximas da administração direta, porque elas representam parcela de atribuições, de tarefas que se destacam da administração direta, mais identificadas com a natureza dos serviços públicos _stricto sensu_ . (…) as autarquias, no plano da administração indireta, sempre estiveram mais próximas do serviço público centralizado, precisamente, porque a elas se conferiram atribuições, por natureza, mais vinculadas às atividades essenciais do Estado, quer de referência ao exercício de parcelas do _jus imperii_ , quer de tarefas concernentes a serviços públicos reservados ao domínio privativo do Estado.
Impende, no ponto, ter presente que ao Banco Central do Brasil se conferem funções típicas de Estado, no âmbito da fiscalização do crédito, da moeda e do funcionamento das instituições financeiras, no País. O art. 192 da Constituição confirma, ademais, a natureza dessas atribuições, como um serviço público efetivo. Não há, em consequência, diante da norma do art. 39 da Constituição, possibilidade de se manter, no sistema em vigor, adotado o Regime Único dos Servidores da União, exceção aos servidores dessa autarquia federal, que é o Banco Central do Brasil.”
MINISTRO MOREIRA ALVES:
“sem dúvida alguma, o Banco Central não é autarquia que explore atividade econômica, mas, em verdade, órgão que exerce funções públicas como autoridade monetária.”
MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (Presidente):
Também eu acompanho o eminente Relator. Dispõe a Constituição, no art. 21, incisos VII e VIII:
“Compete à União:
VII emitir moeda;
VIII – administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;”
A União exerce essas competências estatais típicas, na conformidade da Lei n° 4.595, por meio de um órgão da administração direta, o Conselho Monetário Nacional, e de uma autarquia, o Banco Central do Brasil.
Por isso, o que define o Banco Central como autarquia não é o fato de a Lei n° 4.595 ter sido recebida pela Constituição; *o Banco Central não poderia deixar de ser uma autarquia porque é instrumento de execução pela União de funções tipicamente estatais, de acordo com o art. 21, da Constituição, as quais nenhuma lei ordinária poderia confiar a entidades de direito privado, quais, as empresas públicas e mistas.*
(…).”
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Onde encontrar os textos enviados anteriormente:
1-Parecer Preliminar da Assessoria Jurídica Nacional da Condsef sobre a PEC 65:
2-Artigo da Procuradora Élida Graziane Pinto
https://www.condsef.org.br/artigos/autonomia-bc-entre-decreto-3-088-1999-lc-179-2021-pec-65-2023
3-Ata de discussões da Assembleia do Sindsep de 23.02.2024
4-Estudo do DIEESE sobre a PEC 65
5-“PEC, mas qual PEC? A PEC vai sofrer mudanças!”
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PRÓXIMA ASSEMBLEIA DO SINDSEP
14h30 – 06 DE MARÇO – Quarta-feira
Devolutiva da reunião com a DIRAD e posição do SINDSEP sobre a PEC 65