Advogada Camilla Cândido apresenta o parecer sobre a PEC 65 (Parte 1)

Homenagem a Valda Eustáquio

A Assembleia teve início com uma homenagem à dirigente do Sindsep Valda Eustáquio Cardoso de Souza, falecida no dia anterior, em plena atividade sindical. 

Valda era da Diretoria Executiva do Sindsep e também integrava a Diretoria Estadual da Central Única dos Trabalhadores-DF e o Departamento de Pessoal Civil dos Órgãos Militares (DOMC) da Condsef/Fenadsef.

Servidora aposentada do Hospital das Forças Armadas (HFA), com 35 anos de serviços prestados na enfermagem, e sindicalista atuante, foi uma das fundadoras do Sindsep-DF.

Liderou diversas greves e mobilizações em seu órgão de origem e participou de mobilizações históricas para o conjunto do funcionalismo público como a luta pela aprovação do RJU (Lei 8.112/90) e, mais recentemente, contra a PEC 32 (da reforma administrativa). 

Valda estará sempre presente em nossas memórias!

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EXPOSIÇÃO INICIAL DA ADVOGADA CAMILLA CÂNDIDO

Segue a degravação da intervenção inicial da Advogada Camilla Cândido, sócia do escritório LBS Advogadas e Advogados e uma das autoras do Parecer “Análise Preliminar da Proposta de Emenda à Constituição nº 65, de 2023 – Regime jurídico aplicável ao Banco Central.”

O parecer sobre a PEC 65

Quando a Condsef, à qual o Sindsep é filiado, encomendou o parecer sobre a PEC 65 eu devo confessar a vocês que, naquele momento, sentimos uma dificuldade de trabalhar em cima de um texto de emenda constitucional tão sintético e que na verdade remete todas as suas disposições para uma lei ordinária e uma lei complementar.

Então, nosso trabalho foi elaborar as possíveis consequências para os servidores públicos e aposentados, um território mais confortável já que trabalho na defesa de servidores públicos há 15 anos. O que posso afirmar é que tudo é muito incerto, já que o texto da PEC não traz muitas informações. Portanto, o que fizemos e vamos procurar fazer aqui é abrir o texto para vislumbrar as consequências, os possíveis cenários e as lacunas que precisam ser preenchidas na possível alteração.

Vício de iniciativa

O primeiro problema da PEC é que ela trabalha numa linha de extinção de uma autarquia para a criação de uma empresa pública. Nós temos os objetivos, as funções, de um órgão muito importante no Brasil, como é o Banco Central e o objetivo da PEC é remontar essa estrutura.

A estrutura autárquica especial passará a ser uma empresa pública. Quando você faz esse movimento de extinção, para criação de uma empresa pública, há um desmonte daquela estrutura anterior, daquele quadro de servidores públicos.

Ainda que eles tenham cuidados em outros enquadramentos, há necessariamente a extinção e a alteração para os servidores públicos, que, por determinação constitucional, deve ser de iniciativa do presidente da República. Então você tem aí um problema de vício de iniciativa.

Dentro do direito você tem as normas, os princípios, a jurisprudência e você tem os operadores que fazem diversas interpretações. É possível a interpretação a partir desses eixos. Há quem defenda, por ser uma Proposta de Emenda à Constituição, que não haveria ali um vício de iniciativa.

Mas a verdade é que instituir, excluir e alterar os quadros é um poder dado ao presidente da República. E quando vêm de outro poder essas alterações, você, na verdade, está retirando um poder do presidente da República e alterando o equilíbrio dos três poderes.

Isso é uma questão problemática, uma inconstitucionalidade formal que – a PEC tendo sequência – poderia ser arguida no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Importante destacar que arguição de inconstitucionalidade só é possível após se tornar uma Emenda a Constituição.

Então esse seria o primeiro problema, um vício formal. 

Sobre as implicações para os servidores eu vou explicar para vocês os possíveis cenários a partir de três eixos: dos servidores da ativa que poderão ir para uma carreira congênere, os servidores da ativa que poderão ir para os quadros da empresa pública e os aposentados.

Servidores da ativa que migrem para carreira congênere

Vamos começar por aqueles servidores atuais que queiram se manter como estatutários. 

Hoje, o servidor público federal do Banco Central ocupa um cargo público dentro da estrutura do Banco Central.

E o que que é um cargo público pela lei 8.112/90? É o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional. Bem, o que acontece quando eu extingo o órgão?

É muito comum na administração pública colocar cargos em extinção, então algumas carreiras que vão deixando de ter importância, elas são colocadas em extinção, ou também porque o poder público quer fazer uma reestruturação, quer criar outro cargo, aquela estrutura é colocada em extinção.

Mas quando você fala em extinguir uma autarquia especial para fundar uma empresa pública, esse cargo não ficará em extinção ele tem que ser extinto porque você deixa de ter aquela estrutura organizacional, então o que acontece com esse servidor público?

Ele é colocado em disponibilidade porque ele deixa de ter cargo. Isso vai precisar acontecer. 

E aí, depois de ser colocado em disponibilidade, ele pode ser reaproveitado. Seria esse o arranjo para ele ir para uma carreira congênere.

O que que seria essa carreira? Vai ter que ser feito um arranjo muito bem feito na legislação, porque você não tem uma carreira similar com atribuições similares. As atividades desempenhadas pelo Banco Central, são únicas.

Isso teria que ser muito bem costurado porque o que que pode acontecer? Você pode ter uma série de questionamentos jurídicos com relação a esse reaproveitamento desse servidor que vai estar que vai ocupar um novo cargo.

Não é o cargo para o qual ele fez concurso público, pode ser entendido como uma burla ao concurso público ou uma transposição vedada pelo Supremo Tribunal Federal. 

Quando se coloca em perspectiva pode ser que alguém pense que isso aí é muito tranquilo de resolver porque é só colocar na lei. Mas leis são questionáveis! E como confiar que esse rearranjo não será questionado juridicamente? Não tem como afirmar, nem temos precedentes que gere segurança na decisão do judiciário.

Insegurança jurídica

Logo no início do parecer que escrevemos, já faz algum tempo e que já foi disponibilizado para todos vocês, colocamos a questão da insegurança jurídica exatamente por isso.

Porque o texto que nós analisamos, que é uma proposição legislativa, não traz nem o que e nem como vai acontecer. Em outras reuniões que eu também tive a oportunidade de participar verificamos que há uma extrema facilidade para apontar soluções. Então se fala, olha, isso aqui é muito tranquilo, vamos colocar na lei.

Mas… é uma lei que vai passar por debate e votação no Congresso Nacional e que depois ainda pode ser questionada no judiciário. Então esse arranjo de como esse servidor será aproveitado em carreira congênere, ele não é claro. E não temos muitos exemplos de situações próximas isso. Você tem ali uma alteração de uma autarquia em uma empresa pública, na década de 1970, e não tem outro.

Não temos paralelo para dar a segurança de que está tudo 100% para colocar o servidor em disponibilidade e reaproveitar em uma carreira congênere, já que não tem uma carreira muito próxima ou pelo menos próxima, similar.

Bem, mas vamos avançar um pouco imaginando que os processos legais serão bem realizados e esse servidor irá ocupar um novo cargo dentro de uma estrutura de um novo órgão, o que significa que esse servidor irá pertencer a outra carreira.

Aí tem a promessa de que esses servidores do Banco Central irão permanecer dentro da estrutura da empresa pública, por meio de uma requisição do Banco Central. Inclusive, do ponto de vista de uma empresa pública, seria fundamental ela carregar todos esses trabalhadores que detém o conhecimento da área finalística. Então, muito provavelmente vai ser do interesse do Banco Central requisitar esses servidores.

Mas no sistema de requisição – como ele é hoje dentro do direito administrativo e aí cada órgão acaba regulamenta a sua maneira – quem detém, digamos, o poder sobre aquele cargo, sobre aquele servidor dentro da estrutura é o órgão ao qual ele está vinculado, ou seja, o órgão da carreira congênere. Portanto, essa requisição só vai ocorrer se esse órgão deliberar que esse servidor poderá ser requisitado e pelo tempo que ele estabelecer.

Hoje e talvez daqui a algum tempo eu acho que tudo bem, mas isso não é algo que dê garantia ao servidor de que ele permanecerá dentro do Banco Central, realizando aquelas atividades para as quais ele está adaptado. Não, porque se o executivo federal quiser que ele ocupe exatamente o novo cargo que ele terá dentro da estrutura, ele não vai poder ser requisitado, então ele volta para a estrutura daquele órgão da carreira congênere.

Isso tudo, são hipóteses, são cenários, mas é importante saber, então, quem vai passar a deliberar sobre esse servidor.

Se o servidor não ficar dentro da estrutura do quadro da empresa pública, e vier requisitado de outro órgão, então só quem cuida dessa folha dele é o próprio órgão no qual ele estiver lotado ou do qual o cargo dele fizer parte. Então, não, não seria algo viável, o Banco Central, depois de separar, depois de deixar de ser uma autarquia para ser uma empresa pública cuidar da gestão de servidores públicos, cujo orçamento e as atribuições estão em outra pasta. 

Servidor da ativa que vai para a empresa pública

Já o servidor público que pretende ir para os quadros da empresa pública ele tem que deixar o cargo atual porque esse cargo é algo intrínseco à estrutura ligada à administração pública. E você não tem um equivalente a um cargo público dentro de uma empresa pública, porque a empresa pública opera sobre uma outra lógica.

O vínculo do trabalhador não é um vínculo de servidor público é um vínculo de empregado público e ele deixa de ser regido pelo regime estatutário, que no caso de vocês é a Lei 8.112, para ser regido pela CLT. Isso muda absolutamente tudo.

Hoje eu, como servidora pública, se precisar ajuizar alguma questão relativa a meu trabalho será contra a União e eu vou à justiça federal. Se eu sou empregada pública vou litigar contra o meu empregador, que vai ser a empresa Banco Central e essa ação vai correr dentro da Justiça do Trabalho. São lógicas diferentes.

Não há, de fato, limitação, teto salarial na empresa pública. Os aumentos e condições de trabalho podem ser negociados por meio de Acordo Coletivo de Trabalho. Se não houver acordo entre empresa e trabalhadores, isto é, a representação dos trabalhadores, no caso dos sindicatos, isso vai a dissídio coletivo e aí a Justiça do Trabalho irá arbitrar/julgar. 

No emprego público não há estabilidade

E o empregado público, e aí, é um ponto bastante importante, ele não tem a estabilidade. E é importante dizer isso, porque nós temos os regimes de trabalho. Então hoje você tem os servidores estatutários, você tem os celetistas, você tem a lei das empregadas domésticas e agora estão criando aí a lei dos motoristas de aplicativo.

Por que isso? Porque cada um desses regimes tem suas regras. Quando ouço falar que o servidor vai deixar de ser servidor e se tornar empregado público, mas vai ter estabilidade, então a impressão é que estão criando um regime jurídico diferenciado. E somente para esses trabalhadores, porque a estabilidade é um instituto bastante forte. Ela está conectada com a importância da administração pública.

Claro que para lidar com as atribuições que tem o Banco Central, seria importante que esses empregados detivessem também estabilidade. Mas isso é uma exceção, então isso teria que estar disposto na norma e preferencialmente na própria PEC.  Na hipótese de a PEC avançar isso teria que estar disposto na própria Constituição por uma questão de segurança jurídica porque tirar uma eventual estabilidade pode ser algo fácil por meio de uma norma jurídica.

Então, agora está tudo bem, tem uma garantia de que haverá estabilidade. Mas lá na frente podem querer passar por um processo ainda maior de abertura. E como a gente tem observado uma sequência de mudanças normativas e rápidas dentro do Banco Central, então daqui a pouco tira a estabilidade também. Então colocaria e depois seria retirada.

Hoje, conforme está no texto da PEC, não haveria estabilidade e esse é um ponto importante na empresa pública.

O Supremo Tribunal Federal julgou que a empresa pública pode demitir de forma motivada, o que significa que pode demitir desde que justifique a demissão. Não é preciso um procedimento administrativo ou sindicância para fazer essa demissão. 

Aposentados e pensionistas

Os servidores públicos que se aposentam se mantêm dentro do quadro em um determinado nível e, se tiver paridade, ele passa a receber a remuneração e os reajustes de acordo com aquele nível. A paridade é a igualdade de vencimentos entre o aposentado e o servidor da ativa.

Ocorre que o cargo equivalente do servidor da ativa deixará de existir. Eu não terei mais esse servidor da ativa para poder fazer a equiparação. E não há, não localizamos, uma previsão de paridade de servidor aposentado do serviço público em paridade com um empregado público. 

Então, o que vai acontecer com o aposentado? Ele vai ficar dentro de um cargo extinto. Só que ele não tem como ser colocado em disponibilidade ele já se aposentou, então ele vai ficar dentro de um quadro de uma estrutura extinta.

Seria muito bom, dentro daquilo que o Banco Central tem prometido, fazer uma adaptação normativa para que os aposentados recebam os reajustes idênticos àqueles servidores que escolherem a carreira congênere.

Então, digamos que a carreira congênere seja a Receita Federal. E aí a receita teve um reajuste linear de 5%, então o aposentado receberia esse reajuste linear de 5%, porque eu não tenho nem como fazer um reajuste escalonado porque eu não tenho carreiras similares para igualar. 

Ainda que não seja colocado na lei, é possível fazer uma construção para buscar o direito à paridade. De modo que a paridade tem que ser com esse servidor que está na carreira congênere.

Funpresp e Benefício Especial

E outra dúvida também que é muito comum que deve estar passando na cabeça de vocês é com relação à Funpresp, a previdência complementar. O que vai acontecer?

A Funpresp é um regime de previdência complementar. O que eu posso fazer? a) eu posso portar o que eu já tenho lá para outro regime de previdência complementar fechado; 

b) eu posso sacar minha reserva, o que geralmente é a pior das opções; 

c) eu posso manter o plano o que significa que você teria que fazer as contribuições pessoais e também as do patrocinador; 

d) mas você também pode deixar a reserva lá quietinha e esperar para quando você se aposentar e aí receber o benefício proporcional diferido que vai ser proporcional àquilo que você contribuiu; e, nessa hipótese, é possível fazer as contribuições aleatórias. 

Na reunião que fizemos com a DIRAD do Banco Central eles falaram que iriam manter o pagamento do Benefício Especial (BE) de quem migrar para a empresa pública. Como seria isso? Na migração para a previdência complementar fechada do Banco Central, a empresa pública pagaria o valor equivalente ao BE no momento da aposentadoria

PASBC

O PASBC vem da previsão da lei 9.650 e ele tem um regulamento próprio. Na suposta mudança de regime e de alteração da estrutura cai todo esse arcabouço normativo que há hoje para o PASBC.

Cai porque ele está dentro de uma estrutura, autarquia especial e de estado, e ela não suporta as alterações que vão ser feitas para uma empresa pública. Então o PASBC, precisará de um novo normativo, uma nova lei, uma nova organização.

Hoje ele serve aos atuais servidores, aos aposentados, pensionistas e aos aposentados que ficaram dentro do regime geral de previdência social na época da transformação [de CLT para RJU em virtude da ADI 449, em 1996]. Então ele não tem essa possibilidade, ele não tem essa previsão de suportar empregados públicos da empresa Banco Central. Até porque o Banco Central não é empresa pública ainda.

Na verdade, tudo com relação ao PASBC precisará de uma nova regulamentação já que a regulamentação atual não será suportada por esse novo sistema. 

Há preocupação legítima dos aposentados e dos servidores que optarem para uma carreira congênere pois não estarão mais ligados a Empresa Pública Banco Central. Novo regulamento do plano precisaria prever o custeio e a manutenção do plano para essas pessoas que não estarão vinculadas a empresa pública Banco Central. 

Fico à disposição para o debate.

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