PEC 65 E CONCEITOS BÁSICOS DA ADMINISTRAÇÃO

No sistema jurídico brasileiro não há possibilidade legal de um Banco Central
empresa pública
A administração pública brasileira se divide, básica e funcionalmente em : 1)
funcão típica de Estado e, 2) função em que haja interesse paralelo do Estado
(conveniência e oportunidade), em matéria diversa das próprias de suas
atribuições típicas.
Na primeira hipótese, de que deriva o poder de polícia (no sentido amplo), as
competências e atribuições são indelegáveis, porque são inerentes à atividade
pública, razão por que só o Estado pode exercê-las: segurança nacional,
polícia, justiça, saúde pública etc…
Constituem a Administração Direta (centralizada). Exemplos: Presidência da
República, Ministérios, Câmara, Senado, Assembleias Legislativas, etc.
Há situações, no entanto, que requerem, pelas peculiaridades (complexidade,
especialização) das respectivas competências, na busca de eficiência e
eficácia, administração descentralizada, a ser exercida por órgão autônomo,
com as mesmas prerrogativas da administração centralizada, inclusive poder
de polícia. São as autarquias e as fundações públicas. Exemplos: Banco
Central do Brasil e FUNAI.
Todas essas entidades são regidas pelas normas e princípios de direito
público, inclusive presunção de legalidade e veracidade dos atos que pratica,
donde não se lhes aplicar o princípio de que o ônus de prova incumbe a quem
alega. Ao revés, inverte-se o requisito comprobatório: a declaração do agente
vale por si, competindo à outra parte, o administrado, provar o contrário.
Exemplo típico o do guarda que, ao multar o infrator do sinal vermelho de
trânsito, não precisa juntar prova. Por presunção é legal, verdadeira e legítima
a autuação. Assim não fosse, resultaria inviável a gestão do Estado com a
eficiência que dele se espera. Por isso a presunção de veracidade e legalidade
de que gozam seus atos e pretender-se um Banco Central empresa pública
evidencia absoluto desconhecimento de princípios elementares de Direito
Administrativo.
Nem se vá invocar, em prol de entendimento contrário, países em que o BC é
também banco comercial: nos poucos países em que tal ocorre o Direito
Positivo é completamente diverso, em sua origem, fundamentos, estrutura e
concepções.
Na esteira de tais razões a relação jurídica entre Poder Público e servidores é
igualmente regida por lei e não contrato, hoje o regime jurídico único instituído
pela atual Constituição, de 1988, justamente para acabar com a barafunda até
então vigente, e que, surpreendentemente, há quem queira agora ressuscitar.
É no texto normativo, portanto, que se asseguram os direitos e deveres das
partes. Ao invés de contrato, a lei, naturalmente rígida e impositiva, é que
regula as relações envolvidas.

Por isso, acho absolutamente incompatível que o Banco Central – assim como
todas as demais entidades de direito público – venha a ter com seu pessoal
relação de trabalho calcada na CLT, norma de direito privado, que se
exterioriza em contrato de trabalho (privado), flexível ao sabor da conveniência
das partes, e que, especificamente no caso do BC, levaria à sobreposição do
contrato à lei de regência, de que resultaria dar-se a este instrumento valor
jurídico superior ao da norma legal. (!!)
Não ignoro que situações novas podem ser criadas ou admitidas pelo
legislador constitucional. Por hipótese, titular de funções ligadas a atividade-
fim, regência da lei estatutária; atividade-meio, burocrática, Consolidação
trabalhista. Seria como delegado de polícia, estatutário, e arquivista de
Delegacia, celetista. Embora juridicamente possível, se a Constituição admitir,
creio que em órgãos altamente especializados como o BC, seria de grande e
injustificável complexidade, quando nada pela permeabilidade entre as
diversas atribuições funcionais e também por emparedar a mobilidade interna
de forma absolutamente incompreensível.
Quanto à tese de cada um escolher o regime de trabalho, parece-me
engendrado para desmoralizar, enfraquecer as instituições. Regime jurídico
não se escolhe, não gera direito adquirido frente à lei, tendo sua gênese na
imperatividade da lei.

ooOoo

As demais entidades da Administração Pública são de Direito Privado. Aquelas
de que o Estado se vale por conveniência, geralmente com vistas a ocupar
espaços na economia ou prestação de serviços de interesse ou utilidade
públicas, em que a iniciativa privada não tem interesse ou recursos para
corresponder às necessidades da governança estatal, inclusive no regime de
concorrência comercial.
Na primeira modalidade – empresa pública – o capital é totalmente do Estado.
Exemplo: Caixa Econômica Federal.
A simples cogitação de o BC tornar-se uma delas demonstra o
desconhecimento desses conceitos básicos e, mais ainda, a perda das
presunções acima elencadas e consequente perda do poder de polícia,
desaguando na inviabilização de um BC como temos hoje. Nesse contexto,
perderia o poder de polícia e seus desdobramentos, tais como, dentre outros, o
poder-dever de decretar liquidações e intervenções, instaurar processos
administrativos decorrentes e aplicar as respectivas penalidades mecanismos
que levaram ao saneamento do mercado e à sua higidez atual.
A outra modalidade são as sociedades de economia mista, muito
assemelhadas às empresas públicas mas com as acões que formam seu
capital diluídas entre Estado e o mercado, exemplos: Petrobras, Banco do
Brasil.

Em suma, de forma muito simples é o que me parece. Friso, no entanto, que
todo esse sistema pode ruir, a depender dos termos dessa Emenda.
Exclusivamente do ponto de vista técnico-jurídico acho descabida, em razão de
conflitar com o sistema vigente, sem se constituir em alternativa viável para
substituí-lo.
Resumo da ópera: no sistema jurídico brasileiro não há possibilidade legal de
um Banco Central empresa pública; para tê-lo, no entanto, ou se muda todo o
sistema ou se muda o Banco Central, mas neste caso não seria mais a
instituição similar à dos países desenvolvidos e de moeda estável.
Torço muito pela eficiência dos filtros legislativos e pela visão dos nossos
parlamentares.
A propósito da autonomia financeira e orçamentária do Banco Central, bastaria
incluir em lei os termos originais, salvo engano, do art. 8* da Lei 4.595, de
31.12.64, que criou o BC.
Almir Martins Bastos –
Rio de Janeiro, 02.04.2024

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