PEC 65/2023 é tema de Seminário: autonomia do Banco Central sob críticas

O Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados foi palco hoje do seminário “Não à PEC 65, Sim ao BC que o Brasil precisa!”, evento organizado pelo Sindsep-DF, Sinal, SintBacen e ANAFE, que reuniu aproximadamente 250 pessoas. A atividade foi marcada por debates técnicos sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, que busca modificar o regime jurídico do Banco Central (BC), criando uma instituição inexistente em nosso ordenamento jurídico que, segundo os especialistas convidados, traria profundas consequências negativas para a política monetária e a autonomia fiscal, além de prejuízos aos servidores públicos.

Durante o evento, que reuniu representantes sindicais, economistas e juristas, a professora da UFPR Larissa Dornelas destacou a falta de necessidade e urgência para a aprovação da PEC. Segundo ela, a justificativa de urgência é uma falácia, a PEC só altera o regime jurídico do BC e deixa todas as demais questões para lei complementar. “Como fazer isso sem conhecer as especificidades de seu funcionamento? Como que a gente poderá fazer um teste de instituição única logo no BC, que é nosso guardião da moeda?”, questionou Dornelas.

Dornelas também abordou as questões de autonomia financeira e orçamentária do BC, apontando que já existem mecanismos suficientes para garantir o funcionamento da instituição sem mudanças no regime jurídico. Ela criticou a ideia de que a PEC resolveria problemas orçamentários, classificando-a como um mero expediente para furar o teto salarial dos servidores públicos. “Essa necessidade orçamentária não existe. O Banco Central não passa por um ‘derretimento’ de servidores, como foi dito. A ausência de reposição de servidores é uma questão ligada à política de risco fiscal, que interrompeu a realização de concursos públicos desde 2013.”

Outro ponto levantado no seminário foi o alinhamento do Brasil com as “melhores práticas internacionais”, que Dornelas qualificou como um argumento colonialista. Ela destacou que o sistema econômico e jurídico do Brasil, com suas peculiaridades, não deveria copiar modelos estrangeiros sem adaptações, especialmente quando se trata da relação entre o BC e o Tesouro Nacional. Dornelas criticou ainda o uso massivo das operações compromissadas pelo BC, que alimentam o aumento das taxas de juros e impactam diretamente a dívida pública.

José Luís Oreiro, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), fez uma análise técnica e econômica da PEC, classificando-a como um instrumento de “patrimonialismo” e “privilégio exorbitante”. Ele lembrou que o artigo 164 da Constituição Federal define a moeda como uma criação do Estado, e que o Banco Central, ao conduzir a política monetária, utiliza recursos públicos, o que torna sua autonomia financeira um conceito problemático. “A PEC 65 propõe usar as receitas de senhoriagem para o financiamento de suas despesas, o que é incorreto”, criticou Oreiro, alertando que a proposta poderá ampliar desproporcionalmente o poder do BC realizar despesas.

Além dos economistas, o seminário contou com intervenções sobre a inconstitucionalidade da PEC. José Hailton Diana, especialista em direito constitucional, apontou vícios de iniciativa na proposta, que trata de matérias reservadas ao Chefe do Executivo, como a gestão do quadro de servidores públicos. Ele ressaltou que uma Proposta de Emenda Constitucional não pode ultrapassar certas barreiras constitucionais, acusando a PEC de “burla ao processo legislativo”.

Várias entidades sindicais também marcaram presença, com críticas contundentes à proposta. A deputada federal Érika Kokay (PT-DF) reafirmou que o Banco Central é uma instituição de Estado e que a PEC visa submetê-lo aos interesses do mercado financeiro, colocando em risco a independência que deveria existir na formulação de políticas monetárias voltadas ao interesse público.

A CUT (Central Única dos Trabalhadores), representada por Pedro Armengol, destacou que a PEC 65 não é apenas um ataque aos servidores do Banco Central, mas ao povo brasileiro como um todo, com potencial para agravar as desigualdades sociais ao colocar o Banco Central ainda mais a serviço dos interesses financeiros. Representantes de outras entidades, como a FENAJUFE e a Condsef, expressaram preocupações similares, alertando que a proposta é um passo na direção da privatização e fragmentação das funções do Banco Central.

O evento reafirmou a oposição ampla à PEC 65, devido aos grandes retrocessos trazidos ao país. Além das inseguranças jurídicas trazidas aos servidores, a medida apresenta diversos equívocos conceituais e reduzirá a capacidade de controle e regulação do Estado sobre o sistema financeiro e prejudicará ainda mais execução das políticas monetária e fiscal.

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