Banco Central independente de quem?
Importantes informações e reflexões críticas sobre o papel do Banco Central na economia vieram à luz na Audiência Pública realizada em 18 de junho na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal que analisou a PEC 65/2023.
O primeiro a apresentar uma avaliação crítica sobre a PEC foi o economista Paulo Nogueira Batista Junior, que foi diretor-executivo do FMI e vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos BRICS.
Seguem trechos de sua importante intervenção.
A PEC amplia e reforça a autonomia do BC, portanto me parece útil começar com a discussão teórica e prática do tema autonomia, no mundo e no Brasil.
O argumento a favor da autonomia, parte, essencialmente, do princípio de que o horizonte dos políticos eleitos tem um caráter de ser muito curto e que seria preciso isolar a autoridade monetária da influência supostamente perniciosa dos políticos, inclusive do governo eleito.
Então cria-se uma espécie de cordão sanitário, onde o Banco Central, com liberdade, seguindo a famosa boa teoria econômica decidiria em função do interesse público.
Esse argumento tem muitas falácias e omissões. Não há consenso nem no Brasil nem no exterior sobre a validade desse argumento. Uma falácia é a ideia de que existe uma boa teoria, inequívoca, que poderia orientar uma tecnocracia independente na definição das funções do Banco Central, especialmente na condução da política monetária.
Os problemas que o Banco Central enfrenta, suas atribuições, são extraordinariamente importantes para a sociedade, não são de caráter puramente técnico, são de economia política, envolvem incertezas enormes, têm repercussões muito importantes para a sociedade. Sobre o nível de atividade e emprego, sobre a distribuição da renda.
Por exemplo, no Brasil praticamos juros reais extremamente altos. Afeta negativamente a economia, o investimento, provoca desequilíbrio das finanças públicas – os juros praticados pelo BC afetam diretamente ou indiretamente o custo da dívida pública. A política de juros altos concentra a renda e riqueza.
Qual é a situação atual no Brasil depois da Lei Complementar 179 de autonomia do Banco Central. Criaram mandatos fixos para o BC para o Presidente e Diretores, eles não são mais demissíveis ad nutum pelo governo. Mais do que isso criaram-se mandatos não coincidentes com do Presidente da República o que é sempre problemático, particularmente num cenário de polarização política como grande parte do mundo vive hoje inclusive o Brasil.
É em relação a quem essa autonomia do Banco Central? É em relação ao poder político eleito, mas não é uma autonomia em relação a interesses financeiros privados, a lobbies privados. Então, existe no Brasil, como em vários outros lugares, a captura do regulador pelo regulado. A captura do Banco Central por interesses financeiros privados através da chamada porta giratória.
Os técnicos, os economistas, os financistas que vão para o comando do Banco Central, em geral saem do mercado financeiro, do sistema financeiro e a eles retornam. Não existem regras fortes de saída para aqueles que passam pela diretoria do Banco Central.
O que acontece é que se o integrante da diretoria do Banco Central diverge muito dos interesses financeiros privados ele corre o risco de na sequência da sua participação na diretoria de não ter uma carreira, digamos assim, confortável no sistema financeiro.
Através da porta giratória, portanto, nós temos uma situação em que o Banco Central, autônomo legalmente, está insulado do poder político eleito, mas não está não está insulado da influência de lobbies financeiros privados. Nesse contexto é que surge a PEC que está em discussão agora, agravando no meu entender os problemas que já existem.
Ao examinar os documentos pertinentes ficou aparente para mim a complexidade do tema. Falta uma discussão mais aprofundada da questão. Foi muito oportuno o requerimento para realizar esta audiência, mas fico com a sensação que serão necessárias novas audiências para o tema ser mais aprofundado do que será hoje.
Temos uma PEC que tira o BC, que exerce atividades tão centrais para o Estado, da órbita da administração pública. E consagra, no meu entender, um quarto poder, pelo grau de autonomia que ele terá em relação ao poder político eleito.
Confira a íntegra da intervenção do economista Paulo Nogueira Batista Jr. na audiência pública sobre a PEC 65: