Ação do governo reforça uso de violência contra pobreza crescente
Portaria do ministro da Justiça Sérgio Moro revela que, em vez de promover políticas de assistência social para contenção da fome, governo antecipa atuação da Força Nacional para punir criminalidade ascendente
Ação do governo reforça uso de violência contra pobreza crescente
Condsef/Fenadsef
Enquanto países do mundo inteiro se mobilizam em investimentos bilionários para socorrer a classe trabalhadora mais afetada pela política de isolamento, necessária para contenção da pandemia do novo coronavírus, o Brasil mais uma vez avançou na contramão do caminho esperado e autorizou atuação da Força Nacional para enfrentamento à violência porvir. A Portaria 151/2020, assinada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, foi publicada em edição extra do Diário Oficial de segunda-feira, 30.
A medida revela que, diante da resistência do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) em apresentar políticas de assistência social efetivas, o governo tem consciência das consequências da decisão, que resultará em crescimento exponencial da criminalidade. A solução, que poderia vir com fornecimento de alimentação, anistia das contas de luz, gás e água, e oferecimento de auxílios justos, virá em forma de repressão policial.
A Condsef/Fenadsef, desde antes da chegada da pandemia no Brasil, afirma que os cofres públicos têm capacidade, sim, de arcar com investimentos urgentes na área da saúde e assistência social. “Deixar a população miserável e autorizar atuação da Força Nacional para manter a ordem enquanto o País afunda é uma opção tão cruel que só poderia vir de uma figura que homenageia torturadores”, critica Sérgio Ronaldo da Silva, Secretário-geral da Confederação.
O dirigente sindical volta a calcular o recurso que o País tem disponível para enfrentamento das crises sanitária e econômica: “Como demonstrou a Auditoria Cidadã da Dívida, o Brasil conta com mais de R$ 4 trilhões disponíveis e distribuídos entre Tesouro Nacional, Banco Central e reservas internacionais. Esse dinheiro é para ser usado num momento como esse. Além disso, o País paga mais de R$ 1,5 trilhão por ano com pagamento de juros da dívida pública, remunera sobra de bancos enquanto vê a população passar fome. Não pode isso!”, comenta Sérgio.
Os servidores públicos federais pedem, no Congresso Nacional, imediata revogação da Emenda do Teto de Gastos e taxação das grandes fortunas. “O Brasil é capaz de superar esta crise, mas está afundando porque o governo quer proteger o alto patronato e os grandes bancos. É opção do presidente e do ministro da Economia Paulo Guedes”, afirma Silva.
Preocupação
A publicação da portaria de Sérgio Moro tem também uma dimensão política, segundo analisa Rodrigo Lentz, advogado e doutorando em Ciência Política pela Universidade de Brasília. O especialista explica que Força Nacional, por ser um programa de cooperação entre estados-membros e a União, atua após solicitação dos governadores estaduais, mas desta vez o Governo Federal se antecipou a qualquer pedido e colocou a tropa a postos.
“Nenhum governador pediu envio da Força Nacional. O que o governo [Federal] fez foi uma jogada política de antecipação de um cenário provável de calamidade, já que este contexto sanitário requer auxílio econômico que vai demorar a chegar e, quando chegar, vai ser insuficiente. Sem suporte financeiro, sem trabalho e sem renda evidentemente que vai haver reação das pessoas e o governo quer manter a ordem estabelecida”, comenta Lentz. “O governo prevê instabilidade social grande”, afirma, considerando aumento de saques e de criminalidade.
A consequência é natural em um País que não assiste sua população nos serviços básicos necessários. “Um autônomo que ganhava R$ 2 mil vai passar a ganhar R$ 600, é uma mudança drástica”, disse Lentz, referindo-se ao valor do auxílio aprovado ontem pelo Senado Federal, mas que ainda precisa ser sancionado pelo Executivo. Segundo Rodrigo Lentz, a portaria do Ministério da Justiça é reveladora. “Estão fazendo uma escolha, vão usar a violência para administrar a situação. Vem repressão, só não sabemos em que grau”, afirmou.
Estado de Sítio
Há pouco mais de uma semana, o governo solicitou estudos sobre instalação de Estado de Sítio no Brasil, que centralizaria todos os poderes na Presidência da República. Ontem, a Hungria mostrou como a pandemia pode favorecer governantes simpáticos a regimes ditatoriais. O advogado Rodrigo Lentz destaca a importância das políticas econômicas de assistência social para sustentar a política sanitária em relação à pandemia e evitar um cenário de exceção em que caibam medidas de exceção. A necessidade de ampliação dos investimentos públicos é consenso mesmo entre os economistas que sempre defenderam austeridade fiscal.
“Via de regra, faz parte do planejamento prever os piores cenários e avaliar mecanismos institucionais para evitar surpresas e erros, mas esta possibilidade [de Estado de Sítio] está sendo colocada no horizonte. É muito grave que a situação esteja sendo estudada às escondidas, sem transparência. Quanto mais a sociedade não participa, mais as medidas de exceção se tornam possíveis”, declarou.
Golpe militar
Neste 31 de março em que se completam 56 anos do Golpe Militar de 1964, a Condsef/Fenadsef reforça a necessidade de proteção da Constituição Federal, documento que garantiu a democracia, os direitos sociais e os deveres do Estado na condução do País. Entre as conquistas inseridas na Carta Magna por exigência popular, está a assistência social, o acesso universal à saúde e o atendimento à população por meio de servidores públicos selecionados por concursos amplos, democráticos e justos.
Os milhares de mortos durante os anos de chumbo, o cerceamento de direitos, a censura e o aparelhamento do Estado por militares incompetentes e cruéis foram os tristes legados que restaram dos mais de 20 anos de regime militar. Da tragédia se faz o aprendizado que jamais será esquecido: ditadura nunca mais e todo o poder ao povo. Direitos, sim; violência, não.