A quem interessa a autonomia do Bacen?
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11 MARÇO 2024
Roberto Campos Neto, como presidente do Banco Central, recebe exatos R$ 18.887,14 por mês. É a menor remuneração entre os principais cargos do governo, uma vez que os ministros de Estado têm um contracheque de R$ 41.650,92 mensais.
Já Aloízio Mercadante, à frente do BNDES, tem honorários de R$ 88.113,83 ao mês. Jean Paul Prates, dirigente máximo da Petrobras, faz jus a uma remuneração básica mensal de R$ 127.269,71. Seu cargo também dá direito a um pacote de benefícios extras que envolve até um bônus de performance anual que distribuiu mais de R$ 1,5 milhão em 2023.
Tamanha discrepância tem a ver com a natureza das instituições. A Petrobras, com ações negociadas em bolsa, segue uma política remuneratória guiada pelas leis do mercado. O BNDES, por sua vez, é uma empresa pública, controlada 100% pela União, mas por ter natureza jurídica privada não se sujeita ao teto salarial válido para todo o funcionalismo público.
O Banco Central, conforme estabelecido na Lei Complementar nº 179/2021, tem status de autarquia especial. Além de estar submetida às regras do serviço público, seu dirigente máximo está um degrau abaixo do cargo de ministro de Estado. Assim, Campos Neto recebe o mesmo que, por exemplo, Dario Durigan, o nº 2 de Haddad no Ministério da Fazenda.
Nas últimas semanas Campos Neto lançou-se numa campanha pela aprovação da PEC nº 65/2023, que transforma o Banco Central em empresa pública e estende a sua autonomia também para o campo orçamentário.
A proposta tem autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), mas o próprio Campos Neto reconhece que foi debatida e aprovada pela diretoria colegiada do Bacen.
Em termos práticos, a consequência imediata caso a PEC seja aprovada é que o Banco Central pagará suas despesas operacionais com o “lucro” de atividades financeiras (compra e venda de títulos públicos e operações de câmbio, além de taxas cobradas de instituições financeiras) e seus servidores serão transformados em empregados celetistas. Situação muito semelhante à do BNDES.
A justificativa de Campos Neto em defesa da PEC é que a instituição está sofrendo uma sangria com a perda de servidores, que estariam saindo em massa para o mercado ou prestando concurso para outros órgãos em busca de melhor remuneração.
Dados divulgados pelo próprio Banco Central não indicam que a situação é tão calamitosa assim – pelo menos não pelas razões expostas por Campos Neto. É fato que, entre o início de 2016 e o fim de 2023, o órgão perdeu 911 servidores, o que representa 21,8% da sua força de trabalho de oito anos atrás.
O principal motivo para a redução, porém, não está relacionado aos supostos baixos salários, e sim ao envelhecimento dos trabalhadores e à reforma da previdência. No mesmo período, 615 analistas, técnicos e procuradores se aposentaram ou faleceram.
Em termos líquidos, portanto, apenas 296 servidores ativos deixaram a instituição porque foram trabalhar no setor privado ou migraram para outras carreiras do setor público. O tal “derretimento” que Campos Neto afirma estar acontecendo representa menos de 1% do total de funcionários atuais.
O principal vilão para esse encolhimento é, na verdade, a não reposição das aposentadorias. A instituição abriu neste ano seu primeiro concurso público desde 2013, e certamente não terá dificuldades para preencher com bons profissionais as 100 vagas oferecidas, graças ao salário inicial de R$ 20.924,80, que sobe gradativamente até atingir R$ 29.832,94.
Outra evidência de que a perda de pessoal é algo que não compromete tanto assim as atividades é que, mesmo diante da tal “sangria” de pessoal, o órgão se dá ao luxo atualmente de liberar 75 de seus melhores servidores para atuarem como assessores de parlamentares ou trabalharem em outros órgãos.
Se a PEC se destina a resolver um problema que não é tão grave como se alardeia, é importante analisar os seus efeitos e se perguntar a quem interessa. É aí que mora o perigo.
Caso o Banco Central se torne uma empresa pública com autonomia orçamentária, os salários de seus dirigentes poderão ser ampliados significativamente, ao nível do que hoje pagam o BNDES, a Caixa ou a Petrobras. Isso tornará ainda mais cobiçada a indicação para a diretoria do Bacen, por agentes do mercado e apadrinhados políticos.
A aprovação da PEC também criaria uma nova casta de empregados públicos privilegiados, como já acontece no BNDES, cujos empregados têm carga horária de 30 horas semanais e ganham, graças à participação nos lucros do banco, cerca de 16 salários de até R$ 36.000 mensais por ano.
Para piorar, Campos Neto subestima os riscos de se transferir a supervisão do Conselho Monetário Nacional (composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, mais o próprio presidente do Bacen) para o Congresso.
Basta imaginar o que seria um Banco Central com autonomia orçamentária, diretores ganhando mais de R$ 100 mil por mês e sujeito ao controle de Arthur Lira…
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. Escreve às segundas-feirasE-mail: bruno.carazza@gmail.com