A independência do BC pródigo
Por: Gilberto Menezes Côrtes – 31.03.2024
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tem independência perante o Poder Executivo desde fevereiro de 2021 pela Lei 179, surpreendeu o país e em particular o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que comanda o Conselho Monetário Nacional, órgão máximo da economia do país, do qual fazem parte a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o próprio Banco Central, com a informação de ter patrocinado a Proposta de Emenda Constitucional (a PEC 65/2023), apresentada pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), em novembro, que dá independência financeira ao BC, que ganhou aprovação de 42 dos 81 senadores.
Haddad ficou duplamente contrariado por ter o presidente do Banco Central dado força a uma emenda à Constituição sem consulta prévia ao ministro da Fazenda, que tem a chave do Tesouro Nacional, e muito menos ter conversado com o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. A preocupação de Campos Neto, às voltas com a insatisfação de remuneração dos quadros do Banco Central, em greve, tipo operação padrão, há dois meses, por reivindicação de aumentos salariais. Como o teto do funcionalismo esbarra no teto dos salários de ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 44 mil), o BC vem perdendo quadros para a banca privada, que paga mais e ainda dá bônus. Só que o funcionário do BC tem estabilidade e não está sujeito a demissões.
Mas a pose de independência do Banco Central por Campos Neto, cujo mandato acaba em 31 de dezembro de 2024, e já em junho deste ano o Conselho Monetário Nacional e o governo Lula podem estar negociando o substituto (o mais cotado é o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, que foi secretário-executivo de Haddad até junho do ano passado), é só basófia. Da boca pra fora.
BC tem prejuízo de R$ 114,1 bilhões
Na última quinta-feira, o Conselho Monetário Nacional aprovou o balanço financeiro do Banco Central do Brasil em 2023, com prejuízo de R$ 114,152 bilhões. Detalhe: em 2022, o Banco Central teve prejuízo líquido de R$ 36,5 bilhões que o Tesouro Nacional teve de bancar e cobrir em 11 de janeiro de 2024. A independência do Banco Central é para inglês ver. Se o BC tem resultado positivo, de acordo com a Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, e a Lei 13.820, de 2 de maio de 2019, o valor “é transferido ao Tesouro Nacional após a constituição ou reversão de reservas, até o décimo dia útil posterior à aprovação do balanço”.
Entretanto, se for negativo, o que acontece pelo segundo ano seguido na gestão de Campos Neto (o dependente), “será coberto pelo Tesouro Nacional, após utilização das reservas e do patrimônio institucional, observado o limite mínimo para o patrimônio líquido de 1,5% do ativo total, até o décimo dia útil do exercício subsequente”. Ou seja, o BC fala tanto em rigor fiscal, mas já tomou lugar de R$ 36,5 bilhões de gastos sociais no Orçamento Geral da União (OGU) de 2024, e já espetou previamente despesa de R$ 114,152 bilhões para o OGU de 2025. A título de comparação, o rombo do Banco Central consome em dois anos R$ 147,7 bilhões, e o Bolsa Família tem orçamento de R$ 169,5 bilhões este ano.
A contradição do BC
O presidente Lula tem feito insistentes críticas ao excesso de cautela do Comitê de Política do Banco Central em manter por tempo excessivo as taxas de juros elevadas. Só com a entrada de Galípolo e Ailton de Aquino na diretoria do BC, no começo do segundo semestre do ano passado, foi possível – numa queda de braços em que quatro membros do Copom insistiam em só baixar a taxa Selic (o piso do sistema financeiro) em 0,25 ponto percentual, e quatro propunham 0,50 para desgarrotear a economia, coube a Campos Neto o voto de minerva. Os juros desceram até 10,75% em 20 de março, mas o Copom já adiantou que a última baixa de 0,50 será em 9 de maio. A partir daí (10,25%), seria a conta-gotas de 0,25 p.p. O Copom reconheceu que a inflação ficou dentro da meta porque houve baixa dos preços dos alimentos (o BC não acreditou na supersafra) e os preços dos combustíveis subiram menos do que esperava. Ou seja, não foi mérito da política monetária. Agora o Copom está com medo do crescimento do emprego (nos Estados Unidos, é uma das metas do Federal Reserve, o Banco Central do Tio Sam).
Mas o BC que se quer independente, mas na hora de pagar a conta pede socorro ao Tesouro Nacional, é o mesmo que a cada reunião do Copom, ao manter os juros muito elevados (exageradamente, como em 2023), cria uma despesa descomunal em juros para o Tesouro Nacional na dívida pública. A mesma dívida pública líquida que ultrapassou R$ 6,7 trilhões e o BC apontou como problema, como se nada tivesse com isso… Sim, caro (a) leitor (a), a dívida é do Tesouro, que tem de programar o perfil de endividamento (em relação ao Produto Interno Bruto – o “faturamento” da economia), mas as circunstâncias do mercado financeiro, gerido pelo Banco Central, colocam mais da metade da dívida pública alavancada na taxa Selic, mas esta é contida para travar a inflação, asfixiando a economia e o consumo, e achatando o PIB.
Ano passado, o país pagou R$ 718,3 bilhões em juros da dívida. É uma dívida rolada com a própria dívida (por isso, os parâmetros de endividamento são importantes). Em 2022, foram R$ 586,4 bilhões. Ou seja, o custo dos juros cresceu 22%, ou R$ 131,9 bilhões. Mais de 80% do Bolsa Família de 2024.
Com Campos, R$ 2,4 trilhões em juros
Na gestão de Roberto Campos Neto (2019 a 2023, sem contar 2024), os juros da dívida somaram R$ 2,432 trilhões. Com 2024 vai passar de R$ 3 trilhões. A título de comparação, todos os projetos do PAC para os próximos cinco anos somam R$ 1,6 trilhão. O governo faz um esforço enorme para desconcentrar a renda do país, com a reforma tributária, que vai reduzir a carga de impostos sobre o consumidor e carregar a carga de impostos sobre os mais ricos, em especial no mercado financeiro, mas a composição da dívida (60% em mãos de instituições financeiras e fundos de investimentos – a Previdência carrega 23% da dívida) volta a concentrar a renda e a jogar todo o esforço por terra.
Para ler o texto integral, clique aqui.